Livros que guardo na memória – 7

OS DEUSES SANGRENTOS (por Jean d’Esme)

Os deuses sangrentos511Foi um dos primeiros livros que li na ecléctica colecção da Livraria Clássica Editora Os Melhores Romances de Aventuras (livro que ainda possuo na minha biblioteca), e ficou-me para sempre na memória, por causa do seu enredo estranho e exótico, do seu dramatismo singular, do cenário misto de aventura e tragédia em que mergulhei irresistivelmente, ao ponto de não poder largar a leitura enquanto não cheguei à última página. Mais do que um romance de aventuras é um livro épico e fascinante, em que perpassa a evocação de um país longínquo e de raças cuja origem se perde na bruma dos tempos; e também de uma época em que o colonialismo era o símbolo do poderio europeu, do homem branco, deixando um rasto de conquistas e de civilização, coroadas por glórias efémeras, com os seus heróis, os seus mártires e as suas vítimas.

Jean d’Esme — nome com que ficou conhecido Jean Marie Henri d’Esménard — foi um dos maiores mestres nesse género literário, reflexo da história colonial, nomeadamente a da epopeia francesa na Indochina, à qual dedicou várias obras romanescas que resistiram ao veredicto e à usura do tempo, como Les Dieux Rouges (1924), apesar das grandes transformações ocorridas durante o século XX em todo o Extremo Oriente.

Jean d'Esme em viagemNascido também nessas paragens asiáticas (Xangai, 1894), foi posto muito cedo em contacto com outros povos de tradições milenares e costumes primitivos (aos olhos dos europeus), pois seu pai viveu e trabalhou na Indochina como funcionário das Alfândegas. Os laços com a França não tinham, porém, sido cortados e foi em Paris que Jean fez os primeiros estudos, ingressando depois na Escola Colonial, em vésperas da Primeira Grande Guerra.

Sentinelles de l'Empire (Jean d'Esme)Viajante incansável, cineasta e jornalista, ao serviço de grandes periódicos como Je Sais Tout, L’Intransigeant e Le Matin, membro da Academia das Ciências Ultramarinas, presidente da So- ciedade de Escritores Coloniais, Jean d’Esme foi uma das figuras literárias mais notáveis do seu tempo, deixando obra extensa e variada, em que às biografias de grandes vultos militares (De Gaulle, Leclerc, Foch, De Lattre) se juntam as novelas históricas — como Les Chercheurs de Mondes, dedicada à saga dos navegadores portugueses dos séculos XV e XVI, pois foi também um grande admirador do nosso país e da nossa História —, os livros para a juventude e, sobretudo, as narrativas coloniais desenroladas em paragens exóticas, com destaque para a África Sahariana (Les Chevaliers sans Éperons), onde viveu várias experiências aventurosas, e para a Indochina, que se tornou o seu cenário mítico, o seu país asiático de eleição — paradigma de paixões proibidas, de mistérios e segredos indecifráveis, e expoente máximo da França como potência colonial.

Les chercheurs du monde + D'Héroisme et de gloire

Tal como Les Dieux Rouges (com o carismático título de Os Deuses Sangrentos, na tradução portuguesa), outros romances indochineses, inspirados nas recordações da sua juventude, como Thi Ba, Fille d’Annam, são ainda hoje considerados autênticas «pérolas» da literatura colonial francesa. Algumas obras de índole mais juvenil, como Les Maitres de la Brousse, foram também apresentadas, com grande sucesso, na célebre colecção Marabout Junior, bem conhecida dos leitores portugueses (Marabu Júnior, editora Ulisseia).

Les maîtres de la brousse +Thi-Ba

Les Dieux Rouges 2 516Os Deuses Sangrentos é a única obra de Jean d’Esme que figura na colecção Os Melhores Romances de Aventuras, cujos volumes, como já disse, rechearam de muitas emoções e fantasias o meu imaginário juvenil, deixando nele um lastro de fascínio por este género literário. Lembro-me de que este livro me foi oferecido por altura do meu aniversário (devia ter uns 12 ou 13 anos), e a sua leitura absorveu-me e entusiasmou-me de tal forma, apesar do tema ser mais indicado para adultos, que logo me tornei um leitor assíduo da colecção da Clássica Editora — na qual, de facto, fazendo jus ao seu nome, se publicavam os melhores romances de aventuras da época, com boas traduções integrais e sugestivas capas baseadas, na sua maioria, em motivos fotográficos.

Les Dieux Rouges 3O título foi inspirado no de uma colecção francesa com os mesmos moldes (mas cujas capas eram diferentes), de onde saíram muitos volumes que o público português recebeu com agrado, como prova a longevidade desta colecção e o número de obras traduzidas, tanto do francês como do inglês, às quais se juntaram alguns originais portugueses — nomeadamente do prolífico Pedro de Sagunto (pseudónimo usado por Pedro A. de Carvalho).

Os Deuses Sangrentos (5º volume da colecção), um drama estraLes dieux rougesnho, sombrio e de mistério, cujo enredo começa pelo epílogo, narra a trágica odisseia de Pierre de Lursac, um jovem administrador civil recentemente chegado de França e colocado no famoso Posto 32, «o pior local de todo o Alto Laos», a fim de organizar na zona uma vasta operação de policiamento contra as aguerridas tribos moïs. Ao embre- nhar-se profundamente nessa região selvática, De Lursac caminhava ao encontro de uma fan- tástica aventura, entre um povo ignoto e fabu- loso de homens pré-históricos, cujos sangrentos costumes acabariam por ser-lhe fatais!

Espero que esta breve descrição vos tenha despertado a curiosidade por um dos mais fantásticos romances de aventuras escritos até hoje — e não julguem que estou a exagerar! —, cuja leitura obviamente recomendo a todos, entre os 17 e os 87 anos, que apreciem ambientes exóticos e emoções fortes. E se não tiverem a boa fortuna de descobri-lo nalgum dos poucos alfarrabistas que ainda conseguem resistir à crise, sugiro que procurem na internet as versões originais que aqui apresentámos, pois, embora antigas, conseguem ser mais acessíveis do que as edições portuguesas de 1934 e 1944.  Boa leitura!

Les dieux rouges + Les Chevaliers szamns éperons

“As Minas de Salomão” (2) – por Henry Rider Haggard

Rider HaggardO segundo livro que nos apraz registar, entre as edições portuguesas do famoso clássico de Henry Rider Haggard, foi editado pelo Círculo de Leitores, em 1986, e conserva a tradução de Eça de Queirós, a menos fiel ao espírito e à letra do romance original — exceptuando uma outra versão, ainda mais apócrifa, atribuída a Emilio Salgari, que a editora Romano Torres incluiu na sua colecção com o nome deste famoso autor italiano (como adiante veremos). Mas a edição do Círculo de Leitores recomenda-se por estar recheada de gravuras de Walter Paget, um dos melhores artistas gráficos que recriaram, com o poder das imagens, a fabulosa aventura de Allan Quatermain e dos seus intrépidos companheiros.

Minas de Salomão - c- dos leitores 994Em 2001, surgiu outra edição do Círculo de Leitores, igualmente digna de merecimento, pois contém, sob o título “Uma tradução enigmática e uma aposta ganha”, um sugestivo intróito de Luís Almeida Martins, que também prefaciou e traduziu para a mesma editora outras quatro obras do escritor vitoriano, entre elas “O Anel da Rainha de Sabá”, um dos marcos do romance de aventuras africanas que figuram, desde há muito, na minha lista de favoritos.

As capas desta colecção pecam por ser pouco atractivas, com um design repetitivo, por isso preferimos reproduzir as do volume “A Caverna dos Diamantes”, publicado pela Romano Torres, em 1935 e 1950, na Colecção Salgari, com uma magnífica ilustração de Júlio Amorim (na edição mais antiga a capa é de Alfredo de Morais, mas curiosamente há poucas diferenças entre ambas).

Se o nosso Eça adaptou livremente o romance, mudando até o nome do seu narrador, que se transformou em Alão Quartelmar, Salgari foi ainda mais longe, pois “nacionalizou” um dos principais personagens, o barão Curtis, assim como Neville, o seu irmão desaparecido, que passaram a ser naturais de Génova; além disso, abreviou muitas descrições de Haggard, sobretudo nos últimos capítulos, para fazer luzir o seu próprio estilo e os seus enredos cinegéticos (com resultados menos felizes que os de Eça, que também suprimiu parte do romance).

Minas de Salomão - A caverna dos diamantes 1 e 2

Por fim, last but not the least, o terceiro volume da minha relação saiu em 2011, numa série de clássicos (alegadamente juvenis) distribuídos pelo semanário Sol, com capas de sóbrio e sedutor grafismo (atrevo-me mesmo a chamar-lhe original), como a que dá um toque singular a esta edição do meu conten- tamento… mais uma que reproduz fielmente o pitoresco texto queirosiano, mas enriquecido com gravuras de Walter Paget, um dos mais reputados ilustradores ingleses do século XIX, como já referi anteriormente neste artigo.

Minas de Salomão - Sol 997A propósito de edições ilustradas, não posso deixar de aludir à versão publicada em 1986 pela Editorial Verbo, na sua colecção Clássicos Juvenis, que tinha a valorizá-la, em todos os volumes, as capas e os desenhos de Augusto Trigo, artista bem conhecido e apreciado pelos amantes da 9ª Arte, cuja extensa obra no domínio da ilustração merece ser devidamente assinalada e aplaudida, para sair do quase anonimato em que permanece.

Reproduzimos seguidamente a capa de uma das numerosas edições deste livro, datada de 1995, em que o grafismo do cabeçalho sofreu alterações, bem como o título da colecção: Clássicos Juvenis TVI — mantendo-se, no entanto, a apresentação interior do texto, adaptado por Maria Isabel de Mendonça Soares, a partir da “libérrima” versão de Eça de Queirós, com seis desenhos de página inteira (um dos quais também aqui se reproduz).

Minas de Salomão - Verbo 1 e 2

“As Minas de Salomão” (1) – por Henry Rider Haggard

Rider HaggardComo já expliquei pacientemente ao nosso gato, que parece sentir algum interesse por estes assuntos — influenciado, sem dúvida, pelo ambiente em que vive, numa loja de papel —, há várias versões deste famoso romance de aventuras publicadas em Portugal, a mais comum traduzida, ou melhor, “revista” por Eça de Queirós, no seu estilo colorido e inimitável, muito distante da ênfase vitoriana de Rider Haggard (cujo nome, aliás, nem figura na capa de muitas delas). Uma das mais antigas, a da Livraria Lello do Porto (5ª ed., As Minas de Salomão (Lello)1920), distingue-se pela gravura do pitoresco personagem que dá pelo nome de capitão John Good, em fraldas de camisa, monóculo faiscando no olho, cachimbo aceso e rosto meio escanhoado, tal como apareceu, pela primeira vez, aos olhos atónitos dos indígenas, na terra dos Kukuanas.

Muitos anos depois, encontrei este livro na biblioteca do meu Pai e “devorei-o” em poucos dias, com crescente entusiasmo — creio que foi nas vésperas de Natal —, antes ainda de conhecer a magistral adaptação de Fernando Bento publicada pelo Diabrete, que só li já mais espiga- dote, quando tinha os meus 12 anos.

Quero assinalar também, neste artigo, outras edições mais recentes que para mim têm um cunho especial e que, por isso, continuo a guardar num cantinho da minha (bem recheada) biblioteca.

Um desses livros foi publicado em 1992 pela Difel, com capa de Clementina Cabral e traduzido do original por Daniel Gonçalves, que redigiu também um interessante prefácio com o título “As Três Minas de Salomão”, onde explica que existem, além da versão queirosiana, duas do próprio Haggard, consoante a origem do eclipse a que o autor recorreu para reforçar a “superioridade” dos seus três aventureiros de raça branca — o capitão John Good, o barão Henry Minas de salomão Difell capa843Curtis e o caçador Allan Quatermain — aos olhos dos supersticiosos indígenas: a solar (1ª edição, 1885) e a lunar (1905), embora esta não tivesse prevalecido na grande maioria das edições seguintes. E tudo por causa de um atento leitor e admirador de Haggard, provavelmente astrónomo de profissão e “cocabi- chinhos” por natureza,  que lhe apontou um erro crasso, pois na época em que decorria a acção do romance nenhum eclipse total do sol fora presenciado em todo o continente africano.

Claro que Haggard argumentou (e bem) com a liberdade de imaginação que é apanágio de todos os novelistas que se prezam, sobretudo dos que escrevem histórias de aventuras com enredos mais ou menos fabulosos, como é o caso daquela que lhe deu fama, tornando-se, de imediato, um enorme sucesso quando apareceu nas livrarias inglesas em finais de Setembro do ano da graça de 1885.

A título de curiosidade, reproduzimos na íntegra o artigo “As Três Minas de Salomão”, escrito por Daniel Gonçalves como prefácio da primeira tradução portuguesa que foi verdadeiramente fiel ao texto de Rider Haggard. Num próximo post, continuaremos a abordar o tema, apresentando mais versões deste aliciante romance de aventuras, igualmente dignas de interesse.

Minas de salomão Difel - rosto+1

Minas de salomão Difell prefácio 2 + 3

Minas de salomão Difell prefácio 4 + 5

Minas de salomão Difell prefácio 6 + 7

Os livros que guardo na memória – 4

Título D Filipa

a-conquista-de-ceuta-ca-104Em 25 de Julho de 1415, teve início a epopeia das conquistas e dos descobrimentos portu- gueses, com uma grande expe- dição militar chefiada por el-rei D. João I e pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, cujo objectivo era desferir um rude golpe nas possessões islâ- micas do Norte de África, arrebatando aos Mouros a rica e estratégica cidade de Ceuta.

Nessa heróica empresa, que culminou com a conquista da praça-forte um mês depois, em 22 de Agosto desse ano da graça de 1415, distinguiram-se, pela sua energia, capacidade de comando e bravura em com- bate, os jovens infantes D. Henrique e D. Duarte, o primeiro dos quais estava fadado para reger os destinos da escola de Sagres, a melhor escola de marinharia do mundo, e o segundo para suceder no trono ao Rei de Boa Memória. Tanto eles como seu irmão D. Pedro foram armados cavaleiros pelo próprio pai, na mesquita de Ceuta consagrada, desde esse dia, à fé cristã.

Mário Domingues - CeutaRecordando esta efeméride, tão im- portante na história da expansão marí- tima e colonial portuguesa dos séculos XV e XVI, retirámos dos arquivos do passado uma página magnificamente ilustrada por mestre José Garcês, que o Cavaleiro Andante — muito receptivo, nessa época, aos trabalhos de inspiração (e exaltação) patriótica, em que Garcês, por mérito e experiência, já era um autor consagrado —, deu à estampa no nº 104, de 26 de Dezembro de 1953.

Um dos episódios mais marcantes, mas talvez menos recordados, hoje em dia, dessa histórica epopeia, é o que revela a profunda afeição que D. Filipa de Lencastre — a rainha e mãe de virtuosos dotes,  que muito contribuiu para o bom nome e o exemplar reinado de D. João I — sentia pelos seus filhos, a quem quis entregar as espadas de cavaleiros antes da partida para Ceuta, apesar de ter caído ao leito, gravemente enferma.

Mário Domingues, um popular escritor do século XX, que produziu vários romances históricos com biografias de reis, príncipes, cavaleiros, navegadores, poetas, sacerdotes, estadistas, passando em revista os períodos mais gloriosos, mas também os mais obscuros da nossa monarquia, evocou este lendário episódio num capítulo do livro “Grandes Momentos da História de Portugal”, editado em 1962 pela F.N.A.T. (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho).

Filipa de Lancastre, Garcês 455Vítima da peste que grassava em Lisboa e adivinhando que o seu fim estava próximo, D. Filipa quis dar o primeiro sinal aos seus filhos do glorioso futuro que os esperava, para bem do reino de Portugal, recomen- dando a Duarte, o primogénito e herdeiro do trono, que defendesse com toda a energia os seus súbditos, zelando pelo cumprimento do direito e da justiça, a Pedro que estivesse sempre ao serviço das donas e das donzelas, e a Henrique, o mais novo dos três mancebos, mas também o mais audaz e sonhador, que protegesse “os cavaleiros fidalgos e escudeiros do reino, fazendo-lhes todas as mercês a que, por razão, tivessem direito”.

Depois, entregou aos filhos as três espadas que mandara forjar para aquele momento solene e com as quais seriam armados cavaleiros pelo rei, seu pai, na mesquita de Ceuta, após a conquista que transformou esta cidade no primeiro baluarte cristão do norte de África.

tira de Flipa a entregar espadas aos filhos

José Garcês retratou a mesma cena num livro dedicado a D. Filipa de Lencastre (Edições Asa, 1987) e numa magnífica biografia aos quadradinhos do Infante D. Henrique, publicada no Camarada (2ª série), entre os nºs 8 e 25 do 3º ano (1960), com texto de António Manuel Couto Viana.

Mais sucintamente, representou-a também no 2º volume da sua História de Portugal em BD, relevante projecto nascido de uma parceria com o historiador António do Carmo Reis e patrocinado pela Asa, que lhe consagrou sucessivas edições, com retumbante êxito, a partir de 1985.

Aproveitamos esta ocasião para desejar a mestre José Garcês, que celebrou em 23 de Julho o seu 87º aniversário, as maiores felicidades, associando-nos a todos os seus admiradores e amigos que ainda recordam os belos momentos que passaram a ler as suas histórias.

Ceuta, cidade rica.

Sobre esta época da nossa História, primeira etapa da expansão ultramarina e das conquistas de praças-fortes aos Mouros, que era mister combater por causa da sua religião e do comércio de especiarias com o Levante, há três livros que registei também na memória e que se lêem como autênticos romances de aventuras:

Lanças n’África e Sangue Português, antologias de contos de Henrique Lopes de Mendonça — um dos mais destacados romancistas históricos do século passado e autor da letra do Hino Nacional —, e Os Portugueses em Marrocos, da escritora inglesa Elaine Sanceau, que viveu muito tempo no nosso país e dedicou várias obras aos descobrimentos e ao império colonial português, sendo, por isso, muito elogiada (e condecorada) por Salazar.

lanças-em África-e cia

Mário Domingues (1899-1977), Elaine Sanceau (1896-1978) e Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931) são três prolíficos e notáveis autores que merecem ocupar um lugar de honra no galarim dos melhores romancistas históricos portugueses e cujas obras, guardadas religiosamente na nossa biblioteca, figuram hoje nesta Montra dos Livros.

 

Os livros que guardo na memória – 3

A MARCA DO ZORRO por Johnston McCulley

Johnston McCulley McCulley e Guy Williams(1883-1958), o criador da mítica figura do Zorro, um dos primeiros vingadores mascarados, teve uma prolífica e brilhante carreira como argumentista de cinema e autor de séries para os pulp magazines, pois, além do seu principal personagem, criou figuras que granjearam também grande popularidade na época, como Black Star, The Spider, The Green Ghost e The Crimson Clown — percursoras de alguns dos super-heróis com nomes bizarros e identidades secretas nascidos nas décadas seguintes —, satisfazendo a sede de emoções de um vasto público viciado na leitura de revistas de crime,Curse of Capristano mistério e aventura como o Detective Story Magazine.

Zorro nasceu em Agosto de 1919, nas páginas de outro título famoso na história dos pulps (magazines de índole popular, dedicados aos mais diversos géneros, que utilizavam a polpa de papel para reduzir os custos de impressão): o All-Story Weekly, sete anos depois desta mesma revista (então ainda mensal) ter publicado a primeira aventura de Tarzan, escrita por um tal Edgar Rice Burroughs. A história de McCulley intitulava-se The Curse of Capistrano e tinha como cenário o sul da Califórnia, no tempo em que essa região, colonizada desde o século XV pelos espanhóis, ainda não passara para o domínio do México.

Foi tal o aplauso dos leitores que, no ano seguinte, surgiu a primeira adaptação cinematográfica — cujo único defeito era não ter som —, com o nome do prota- Mark of Zorro - Douglas Fairbanksgonista bem estampado no título: The Mark of Zorro, e um lendário actor e espadachim de Hollywood, Douglas Fairbanks, no papel de Don Diego Vega (a identidade secreta do Zorro), ao lado de Noah Beery, no do antipático e fanfarrão sargento Gonzalez.

O êxito do filme, que contribuiu para o lançamento de um novo género, conhecido como swashbuckler (aventuras de capa e espada), deu origem a um livro com o mesmo título, The Mark of Zorro, em que McCulley desenvolveu consideravelmente o primitivo enredo. Em 1940, surgiu outra memorável versão dos estúdios de Hollywood, com três famosas “estrelas” desse tempo: Tyrone Power, Linda Darnell e Basil Rathbone. Vi-a muitos anos depois, em reposição no cinema do meu bairro, o saudoso Royal-Cine, entre os aplausos e o trepidante entusiasmo de uma plateia maioritariamente juvenil.

Mas já, em 1937 e 1939, Zorro chegara de novo ao ecrã em dois trepidantes serials (filmes em episódios) da Republic Pictures, com os títulos Zorro Rides Mark of Zorro - 1940 - a 150jpgAgain e Zorro’s Fighting Legion, ambos realizados por John English e William Witney e interpretados respecti- vamente, no papel do vingador mascarado, por John Carroll e Reed Hadley. A Republic, pequena companhia especializada neste género de filmes, de longa metragem e orçamentos muito baixos, produziu nos anos seguintes mais seis serials do Zorro para aproveitar tão rendoso filão.

Entretanto, McCulley continuava a escrever aventuras do seu herói para outro célebre magazine, o Argosy, adoptando o figurino que Douglas Fairbanks transformara num ícone cinematográfico e que todos copiaram a partir de então: um destro e misterioso espadachim de mascarilha, capa sobre os ombros e chapéu de abas redondas, à moda da Califórnia espanhola.

Zorro Rides AgainEm 1941, para cavalgar a onda de popularidade do audacioso mascarado que lutava contra a injustiça e a opressão feudal dos grandes latifundiários, surgiu outra novela, intitulada The Sign of Zorro, mas McCulley não se ficou por aí, escrevendo num ritmo frenético mais de 60 histórias com este personagem até ao final da sua vida. A última foi publicada postumamente em Abril de 1959, quando já se ouviam os ecos de um novo triunfo do Zorro, agora como herói televisivo, numa série com 78 episódios produzida pelos Estúdios Disney e interpretada por Guy Williams (Zorro), Gene Sheldon (o seu servo Bernardo) e Henry Calvin (sargento Garcia), nos principais papéis.

De todos os romances do Zorro escritos por McCulley conheço apenas uma versão brasileira de A Marca do Zorro, publicada em 1959 (6ª edição) pela editora Vecchi, na sua colecção “Os Audazes”. Não creio que haja qualquer edição portuguesa, em livro, a partir dos primitivos originais.

A MARCA DE ZORRO869

 

Os livros que guardo na memória – 2

“ALLAN QUATERMAIN”por Rider Haggard

Rider HaggardParece que o gato gostou dos livros de Sir Henry Rider Haggard que já estiveram expostos nesta montra, em especial da capa de Eduardo Teixeira Coelho, o que prova que o nosso bichano tem sensibilidade estética, como a maioria dos felinos.

Para lhe agradar, decidimos escolher outro livro do prolífico escritor inglês, embora com capas que certamente não lhe despertarão tanto interesse. Trata-se de uma obra pouco conhecida entre nós, escrita em 1887, como sequela de “As Minas de Salomão” — o romance mais famoso do autor e já com inúmeras edições portuguesas, muitas delas atribuindo a sua paternidade a Eça de Queirós, que, fascinado pelo tema, apenas o verteu magistralmente para a nossa língua.

De facto, embora “Allan Quatermain” prolongue no tempo as aventuras do famoso caçador sul-africano e dos seus amigos, o barão Henry Curtis e o capitão John Good, acompanhados pelo régulo Zulu Umbopa (ou Umslopogaas), levando-os até novas e inexploradas regiões —Allan Quatermain a terra de Zu-Vendi, onde encontram uma espécie de civilização desaparecida, governada por duas rainhas gémeas de raça branca que se guerreiam mortalmente —, a importância maior foi sempre atribuída ao primeiro volume do ciclo, ou seja “As Minas de Salomão”, cujo enorme êxito inspirou a Rider Haggard nada mais nada menos do que dezoito contos e novelas com Allan Quatermain como personagem central.

Embora essas obras não sigam uma ordem cronológica (Haggard escreveu-as, segundo parece, ao sabor do acaso e da fantasia), há um fio condutor que liga todas elas, dando rédea livre ao novelista para se debruçar sobre vários períodos da vida de Allan Quatermain, desde o seu primeiro casamento, ainda muito jovem, até à sua morte. E esta ocorre, de forma algo abrupta, no livro que Haggard decidiu intitular simplesmente com o nome do seu herói, como uma espécie de elegia fúnebre.

Alão QuatelmarPara a história das edições em língua portuguesa, registe-se que “Allan Quatermain” (ou Alão Quartelmar, como foi baptizado pelo Eça) surgiu primeiro no Brasil, em 1959 — data que não sabemos se corresponde à 1ª edição da Vecchi, que publicou outros livros de Haggard na popularíssima colecção “Os Audazes” —, e só teve honras de tradução portuguesa numa época mais recente (1999), por iniciativa das Publicações Europa-América, que a incluíram, depois de “As Minas de Salomão”, na colectânea Aventura & Viagens, com vários volumes ainda disponíveis nas suas livrarias.

Esperemos que o gato continue a gostar dos livros de Rider Haggard… e para satisfazer a sua (e a vossa) curiosidade acrescento que há algumas adaptações em BD de “Allan Quatermain” — não tantas, obviamente, como de “As Minas de Salomão” —, a melhor das quais, no meu entender, foi publicada em 1966 na revista Ranger, com o soberbo traço de um desenhador que muito se distinguiu no panorama dos comics ingleses: Michael Hubbard.

Allan Quartermain BD 1   Allan Quartermain BD 2

Há algum tempo descobri numa colecção da editora mexicana La Prensa, com o título Clasicos Ilustrados, outra adaptação desta história, não muito fiel ao original (pelo menos na última parte, omitindo a morte de Quatermain) e cujo desenhador não identificado me parece ser espanhol. Embora a revista e o seu conteúdo não mereçam grandes comentários, reproduzo também a capa e a página de abertura para que todos as desfrutem… incluindo o gato.

La Tierra de zu vendi952   La Tierra de zu vendi 2 953

    

Os livros que guardo na memória – 1

O TESOURO AFRICANO

por RIDER HAGGARD 

Nesta ala da nossa loja, que está cada vez maior, temos também uma montra onde o gato que nos faz companhia gosta de preguiçar ao sol… no meio dos livros de todos os géneros e de todas as idades (alguns já bem antigos) que se expõem, por turnos, à curiosidade de quem nos visita, perante o olhar sonolento e indiferente do bichano. Hoje, o livro em destaque, para além do nome do seu autor, tem um interesse muito especial…

Não se admirem de ver aqui com frequência outros livros de aventuras, pois estão carregados (como dizia Henry Miller) com o “perfume” nostálgico da infância. Para mim, muitos deles são ainda hoje os livros da minha vida, criados por autores que o tempo arrebatou, mas que continuo a guardar na memória…

Há alguns anos, quando elaborei uma resenha das históriasCapa Coelho - O Tesouro Africano 749 de Eduardo Teixeira Coelho publicadas em Portugal, antes e depois da sua partida para outras paragens, em busca de melhores condições de trabalho, pretendi incluir nessa extensa lista uma relação de livros ilustrados pelo seu punho, muitos deles mais difíceis de encontrar do que as revistas de banda desenhada onde largamente colaborou.

A lista, realizada em colaboração com Carlos Pinheiro, foi publicada numa brochura com 16 páginas, separata da revista Biblioteca (nºs 1 e 2, 1998) da Câmara Municipal de Lisboa, mas, no tocante aos livros, estava obviamente incompleta. E. T. Coelho fez inúmeros trabalhos desse género, sobretudo entre finais dos anos 40 e meados da década seguinte, para editoras como a Portugália, cujas colecções juvenis Biblioteca dos Rapazes e Biblioteca das Raparigas alcançaram, nessa época, um invejável sucesso. Não hesito em atribuir parte desse êxito às sugestivas capas concebidas pelo notável artista, com destaque para as dos romances de autores clássicos publicados na Biblioteca dos Rapazes, como “O Último dos Moicanos”, “O Cavalo Preto”, “D. Quixote de La Mancha”, “Tom Sawyer”, etc.

Neste escaparate surge, como peça inaugural, um livro de um dos meus escritores favoritos, Rider Haggard, célebre autor inglês que viveu em plena época vitoriana (1856-1925), com obras que lhe granjearam grande popularidade, desenroladas em cenários africanos — como “As Minas de Salomão”, “Allan Quatermain”, “She” e “O Anel da Rainha de Sabá”.

E. T. Coelho realizou uma magnífica ilustração para a capa desse livro (18º volume da colecção Os Romances Sensacionais, da Portugália Editora), hoje em dia bastante raro e que creio nunca ter sido reeditado entre nós. No Brasil foi publicado em 1933, com o título original “Benita”, pela Companhia Editora Nacional, de S. Paulo, na sua popular colecção Para Todos.

Benita754Benita é o nome de uma jovem inglesa descendente de portugueses pelo lado materno, que volta a África para se reencontrar com o pai e descobre que este anda à cata de um misterioso tesouro oculto por colonos portugueses numa velha fortaleza em ruínas, situada no país dos Matabeles. Mas a fortaleza é uma espécie de santuário proibido, onde paira o sortilégio de uma estranha profecia…

Curiosamente existe outro romance com o título “O Tesouro Africano”, mas de ambiente histórico, passado em plena época dos Descobrimentos portugueses, cuja autoria se deve ao jornalista Luís Almeida Martins, outro admirador confesso e grande divulgador em Portugal da obra de Rider Haggard, que traduziu e prefaciou para o Círculo de Leitores (cinco títulos).

Tal como o livro de Haggard, publicado em 1906, a novela de Almeida Martins tem como cerne a busca de um tesouro, que leva um moço audaz e sonhador numa aventurosa viagem até às remotas plagas do continente africano — embora sejam de assinalar outros matizes que dão colorido ao fundo histórico e a forma mais cuidada do texto (Haggard perde muito em ambas as traduções). Esse tesouro, de origem fenícia, jaz na costa da Mina, ao sul de Cabo Verde… mas a expedição organizada em segredo por um abastado mercador, da confiança do príncipe regente, futuro rei D. João II, com o fito de o encontrar, acaba em fracasso, devido à hostilidade dos nativos, que se juntam em grande número para impedir o desembarque dos navegadores portugueses.

Luís Almeida Martins glosou nitidamente Capa Almeida Martins - O Tesouro Africano751o tema de “Benita” — a busca do tesouro perdido, aliás recorrente em muitas obras de Haggard —, mas noutra época e num contexto diferente, pois a África de Quinhentos não era a mesma do tempo da Rainha Vitória, embora essas diferenças não sejam palpáveis para o leitor.

É pena que a capa deste livro, publicado em 2002 pela Editorial Notícias — num formato pouco comum, 13×23, que deu o título à colecção —, nada tenha do vigor, da emoção e do dinamismo que ETC imprimia à maioria das suas ilustrações, às vezes com um traço cheio (como no presente volume), outras com linhas mais suaves.

Mas isso não me impede de aconselhar vivamente a leitura da  curta novela de Luís Almeida Martins, tal como a do outro “Tesouro Africano”, de sabor tão pitoresco como “As Minas de Salomão” e as demais obras de Sir Henry Rider Haggard. Um grande novelista que aparecerá mais vezes nesta montra…

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