Ficheiro da BD Portuguesa: José Garcês

A rubrica em epígrafe surgiu no Mundo de Aventuras nº 481, em 1982, e foi sugerida por mim, que era o coordenador da revista, a António J. Ferreira, um dos mais insignes estudiosos e investigadores da BD portuguesa, particularmente da que antecedeu o nascimento d’O Mosquito, nas décadas de 1920 e 1930.

A. J. Ferreira foi leitor do ABCzinho, d’O Senhor Doutor, do Tic-Tac, d’O Papagaio e obviamente d’O Mosquito, e conhece a fundo todas essas revistas, dando especial relevo aos artistas portugueses que nelas colaboraram. E muitos foram!

Aceite o convite, A. J. Ferreira lançou-se imediatamente ao trabalho… que deu valiosos frutos, aparecendo no Mundo de Aventuras até ao seu último número (1987). São algumas dessas Fichas, com mini-biografias de autores portugueses, que nos propomos, agora, dar a conhecer (ou a reler) aos internautas que nos visitam.

Começamos por José dos Santos Garcês, cuja carreira se iniciou, em 1946, nas páginas d’O Mosquito — então a atravessar uma das suas melhores fases, com histórias de Jesús Blasco, Eduardo Teixeira Coelho, Jayme Cortez, e de outros excelentes artistas europeus e americanos. E esta escolha tem uma razão especial, porque José Garcês celebrou no passado dia 23 de Julho o seu 90º aniversário, efeméride que merece ser devidamente assinalada… como já o fizeram O Gato Alfarrabista e outros blogues da nossa Loja de Papel.

José Garcês colaborou n’O Mosquito até 1948, tendo realizado quatro aventuras em que são patentes, desde a primeira página, a evolução do seu estilo e a sua preferência (nessa época) por temas exóticos e enredos dramáticos… além do acerto com que desenhava sugestivas figuras femininas, cunho que manteve para sempre.

A Montra dos Livros endereça também a José Garcês as melhores felicitações pelo seu aniversário e por uma memorável carreira, com mais de 70 anos, ao serviço da ilustração, da pintura, da banda desenhada e do seu ensino… em suma, da cultura, das artes portuguesas e das gerações mais jovens, que, ao longo deste incansável percurso, durante várias décadas, muito lhe ficaram a dever.

Parabéns, Mestre José Garcês, e que conte ainda muitos anos de vida!

Nota: as fichas que aqui apresentamos foram publicadas no Mundo de Aventuras nºs 487 e 585, de 10/2/1983 e 1/11/1986, respectivamente. As duas últimas (239 e 240) dizem respeito às primeiras histórias de José Garcês, estreadas n’O Mosquito.

In Memoriam: Servais Tiago (1925-2018)

Lisboeta, nascido a 16 de Junho de 1925, Armando de Almeida Servais Tiago colaborou em revistas como Sempre-em-Pé, Filmagem, O Mosquito, Diabrete, Cartaz, Riso Mundial, O Século, Boletim do Clube Português de Banda Desenhada ou Almada BD Fanzine.

Foi um desenhador de estilo caricatural e humorístico, sendo “Barnabé” (que se estreou em 1945 n’O Mosquito) o seu personagem de BD mais conhecido. Fez ilustrações e capas de livros, tendo-se, também, dedicado ao cinema de animação (fundou a Movicine), obtendo alguns prémios em festivais internacionais.

Numa entrevista, revelou que a paixão pelo filme animado começara muito cedo, aos 12 anos, graças a um “aparelho popular para a película de 9,5mm…” lançado pela Pathé-Baby, onde viu pela primeira vez “A Cigarra e a Formiga”. Ficou tão entusiasmado que começou logo a experimentar, fazendo flipbooks e filmes coloridos pintados à mão, em película velha que adquiria nos cinemas. A temática era quase sempre belicista, “imitando documentários de guerra, bombar- deamentos” (pois estava-se em plena 2ª Guerra Mundial), e depois projectava esses filmes com uma máquina de manivela para crianças.

Em 1943, com apenas 18 anos de idade, produziu “Automania”, filme inspirado no grafismo de Walt Disney e dos seus colaboradores — que, aliás, também imitava nas suas histórias de BD —, com o qual venceu várias competições, incluindo o prémio Galo de Ouro da Pathé-Baby, o Troféu Ferrania e a Taça do Melhor Filme do Concurso Nacional de Cinema de Amadores. Ainda hoje, é o filme português de animação original mais antigo, completo e em bom estado.

Em 1946, Servais Tiago começou a trabalhar nos estúdios Kapa, onde adquiriu conhecimentos mais profundos sobre a técnica de animação. Fez vários filmes publicitários, dos quais se destacam “Perfumes Kimono” (1946) e “Malhas Locitay” (1946), realizando ainda os primeiros filmes de animação portugueses a cores: “Tricocida” (1955) e “Grandella” (1956). Para a RTP, da qual foi também colaborador, criou o famoso “Zé Sempre em Pé”.

Servais Tiago faleceu tragicamente em Lisboa, no passado mês de Fevereiro, vítima de atropelamento. Com 92 anos, era o decano dos autores portugueses de BD e um dos últimos pioneiros do cinema de animação (como Artur Correia, de quem foi grande amigo), mas nunca teve o reconhecimento público e as homenagens que merecia. Nem sequer depois da sua morte…

Nota: grande parte deste texto foi adaptado dos blogues BDBD e Animação Portuguesa.

In Memoriam: Artur Correia (1932-2018)

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In Memoriam: José Manuel Soares

Depois de dezasseis anos num estado quase vegetativo devido a três AVC’s sofridos, faleceu no passado dia 31 de Dezembro mestre José Manuel Soares, tão ilustre pintor como autor de vasta obra pela Banda Desenhada.

Residia na Costa da Caparica e era casado com a distinta pintora Ângela Vimonte. Nasceu em S. Teotónio (concelho de Odemira) a 7 de Setembro de 1932. Tinha uma galeria com exemplos da sua Pintura, em Leiria.
Foi homenageado pela BD, na Sobreda (1986), em Moura (1993) e, em 1996, no 15.º Festival de Banda Desenhada de Lisboa.
Colaborou para muitas publicações juvenis (e não só), como “Diabrete”, “Cavaleiro Andante”, “Pimpão”, “Mundo de Aventuras”, “Fagulha”, “Lusitas”, “O Odemirense”, “Cara Alegre”, “Jornal de Almada”, “Diário do Norte”, “Alentejo Popular”, etc.

Capas para a revista “Cara Alegre” (anos 50)

Capa e ilustração de “Os Quatro Cavaleiros Invencíveis”, Colecção Manecas (Edição Romano Torres)

Capas de “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, edição Agência Portuguesa de Revistas

Com vastíssima obra pela 9.ª Arte, muito poucos exemplos estão registados e recuperados em álbum, a saber:
— Em 1985, pela Editorial Futura, um álbum com as narrativas “A Ala dos Namorados” e “De Angola à Contra-costa”, obras publicadas anteriormente na revista “Cavaleiro Andante”.

Capa e prancha de “A Ala dos Namorados”, por Artur Varatojo (texto) e José Manuel Soares (desenhos), Colecção Antologia da BD Portuguesa #15, Editorial Futura (1985).

Pranchas de “De Angola à Contra-costa”, por José Manuel Soares, in Cavaleiro Andante #365 a #382.

— Em 1990, “Luís Vaz de Camões” [texto de Raul Costa], com edição da Câmara Municipal de Odemira.

Capa e prancha de “Luis Vaz de Camões”, por Raul Costa (texto) e José Manuel Soares (desenhos), edição Câmara Municipal de Odemira (1990)

— Em 2000, pelo Grupo Bedéfilo Sobredense (GBS), o n.º 15 de “Cadernos Sobreda-BD”, com as narrativas “O Morcego de Veludo” e “Rasto de Fogo” [o seu único western].

Capa e prancha de “O Morcego de Veludo”, in “Cadernos Sobreda BD” #15,  edição Grupo Bedéfilo Sobredense (2000)

Pranchas de “Rasto de Fogo”, por Raúl Cosme (texto) e José Manuel Soares (desenhos) in “Cadernos Sobreda BD” #15, edição Grupo Bedéfilo Sobredense (2000)

Alguns outros títulos da sua arte como desenhista: “Zeca” [O Cuto português], “O Filho do Leão”, “Giácomo, o Indesejável”, “O Ferido do Bosque”, “Zona Perigosa”, “O Palácio de Cristal”, etc.

Capa e pranchas de “Zeca”, por Raul Oliveira Cosme (texto) e José Manuel Soares (desenhos), in “Mundo de Aventuras” #392 a #403 (1957)

De entre outros, desenhou argumentos de Artur Varatojo e de Raúl Cosme. Pela sua Pintura, foi digna e diversas vezes premiado.

José Manuel Soares pintando no seu ateliê.

Expôs exemplos da sua banda desenhada na Sobreda, Moura, Lisboa, Viseu e Leiria.

José Manuel Soares no salão Moura BD 93, onde foi o Convidado de Honra

Em Agosto de 2014, foi inaugurado em Pinhel o Museu José Manuel Soares, no primeiro andar da Casa da Cultura (antigo Paço Episcopal, edifício datado do Séc. XVIII). Uma justíssima homenagem à memória e à obra do artista, onde se pode apreciar a sua Pintura e as suas histórias em Banda Desenhada.

Inauguração do Museu José Manuel Soares, em Pinhel, em Agosto de 2014

Que mestre José Manuel Soares esteja agora na devida paz eterna! À sua viúva, Ângela Vimonte, apresentamos as mais sinceras condolências.

                                                                                            Luiz Beira/Carlos Rico

(Nota: texto e imagens reproduzidos, com os nossos agradecimentos, do blogue BDBD).

Ursula Le Guin partiu para “Terramar”!

(Artigo de Luís Miguel Queirós dado à estampa no jornal Público, de 25/01/2018, de onde o reproduzimos com a devida vénia).

Ursula K. Le Guin, nome incontornável da literatura de Ficção Científica, introduzido em Portugal pela Colecção Argonauta, faleceu dois dias antes (23/01/2018), com 88 anos. Quem leu as suas obras publicadas nesta emblemática colecção talvez sinta, agora, vontade de as reler, como forma de homenagear a memória da sua autora… porque um escritor está sempre vivo nos seus livros!

Fernando Relvas: homenagens póstumas na imprensa portuguesa – 2

Artigo publicado no jornal I, edição de 24/11/2017, de onde o reproduzimos com a devida vénia.

Fernando Relvas: homenagens póstumas na imprensa portuguesa – 1

Artigo de Luís Miguel Queirós, Público, 22/11/2017

Artigo de F. Cleto e Pina, Jornal de Notícias, 22/11/2017

Artigo de Maria João Caetano, Diário de Notícias, 22/11/2017

(Nota: para ler os textos, aproveitando a extensão completa das imagens, clique nas mesmas).

Morreu Fernando Relvas, um dos maiores criadores da moderna BD portuguesa

O autor de banda desenhada (BD) Fernando Relvas morreu [ontem] de madrugada na Amadora, onde vivia, revelou o director do Amadora BD, Nelson Dona, que o recordou como um dos “autores-chave da BD contemporânea portuguesa”.

Fernando Relvas, de 63 anos, morreu no Hospital Amadora- -Sintra e até ao início da tarde ainda não tinham sido marcadas as cerimónias fúnebres.

Fernando Relvas, que nasceu em Lisboa em [20 de Setembro] 1954, começou a publicar os primeiros trabalhos aos 20 anos, em meados da década de 1970, somando colaborações em várias publicações da imprensa portuguesa, nomeadamente as revistas Fungagá da Bicharada, Tintin e Mundo de Aventuras, o semanário Se7e, a revista Sábado e o Diário de Notícias.

Algumas das histórias e pranchas publicadas na imprensa foram depois reunidas em álbum, como “Karlos Starkiller”, “Çufo”, “Em Desgraça”, “As Aventuras do Pirilau: o Nosso Primo em Bruxelas” e “L123 – seguido de Cevadilha Speed”.

Mais recentemente, saiu o álbum “Sangue Violeta e Outros Contos”, que reúne as histórias “Sangue Violeta”, “Taxi Driver” e “Sabina”, publicadas no Se7e, premiado como clássico da Nona Arte no Festival de BD da Amadora.

Para o director do Amadora BD, “faleceu um dos autores-chave da BD contemporânea portuguesa, que trabalhou em todo o tipo de BD, com registos gráficos brilhantes muito diferentes, e também em narrativas diferentes, da infantil até à só para adultos”.

A “obra extensíssima” de Fernando Relvas foi “apresentada várias vezes na sua cidade, a Amadora”. Entre Janeiro e Abril deste ano, a Bedeteca da Amadora acolheu a exposição retrospectiva “Horizonte, Azul Tranquilo”, dedicada a Fernando Relvas, que o responsável da mostra, Pedro Moura, descreveu como “um verdadeiro sismógrafo da sociedade portuguesa e global das últimas décadas”. A exposição mostrava trabalhos publicados em fanzines, em auto-edição, em revistas de banda desenhada, como a Tintin, e outra imprensa, como o semanário Se7e.

“A lavra de Fernando Relvas é uma obra maior no panorama nacional, ainda que sob muitos aspectos fragmentária”, reconheceu o programador na altura da inauguração, em declarações à Lusa. Pedro Moura falava de um “percurso nervoso por entre géneros e humores, métodos e técnicas, veículos de publicação e modos de produção e circulação, que servirá de retrato de uma incessante e intranquila busca pela expressividade própria da banda desenhada”.

Artigo reproduzido do DN Artes online (21/11/2017)

Mais uma grande perda para a BD portuguesa, no espaço de um ano assinalado também pelo desaparecimento de Carlos Alberto Santos (Novembro 2016), Mascarenhas Barreto e Maria Isabel de Mendonça Soares (Janeiro 2017).

Este blogue, em nome de Jorge Magalhães e Catherine Labey, apresenta os seus sentidos pêsames à família enlutada e, em particular, à sua esposa Anica Govedarica. Ainda recentemente estivemos na inauguração de uma belíssima mostra de pintura desta artista croata, patente até há poucas semanas na livraria Ler Devagar (LX Factory), e ficámos consternados por ver Fernando Relvas num estado de grande debilidade física. Seguiu-se o internamento, devido a duas quedas, no hospital Egas Moniz, onde foi sujeito a uma operação à coluna, e depois a transferência para o Amadora-Sintra, onde acabou por falecer ontem de madrugada, vítima de pneumonia.

O seu corpo estará em velório, para quem lhe quiser prestar as últimas homenagens, na antiga Galeria Municipal, edifício da Câmara da Amadora, a partir da tarde de quinta-feira, dia 23 de Novembro.

Recordamos com saudade e com muito afecto a nossa longa amizade, desde que o conhecemos pessoalmente — a Catherine ainda nos seus tempos de juventude, quando ambos colaboravam no Fungagá da Bicharada, e eu no Mundo de Aventuras, onde Relvas chegou a publicar alguns trabalhos inéditos, colaboração que se estendeu também a outras revistas que coordenei, como O Mosquito (5ª série) e Selecções BD (2ª série). Uma dessas histórias irá ser reeditada brevemente no blogue O Voo d’O Mosquito.

A título também de homenagem, relembramos a exposição “Fernando Relvas e a Revista Tintin”, inaugurada em 16/5/2014 no extinto CNBDI (Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem), onde hoje se localiza a sede do CPBD (Clube Português de Banda Desenhada). Essa mostra assinalou a entrada da obra de Fernando Relvas, artista locatário da Amadora e Prémio Nacional Amadora BD 2012, na importante e vasta colecção de originais da CMA/CNBDI, actualmente depositada na Bedeteca da Amadora.

Em finais de Outubro p.p., Relvas teve ainda a satisfação de assistir à abertura da sua nova mostra, na Galeria Artur Bual, integrada no 28º Festival Amadora BD, com uma abordagem retrospectiva (e não só) da sua obra, organizada por João Miguel Lameiras. 

Conversa(s) sobre Banda Desenhada (com Jorge Magalhães e Catherine Labey) – 4

JORGE MAGALHÃES (2)

No campo editorial, coordenou ainda livros como “O Mosquito – 60º Aniversário” (1996) e “Vasco Granja – Uma Vida, 1000 Imagens” (2003) e colaborou em jornais como Tintin, Jornal da BD e Jornal do Exército, além de ter sido chefe de redacção das Selecções BD (2ª série), entre 1998 e 2001. Escreveu também um livro com o título “O Príncipe Olaf”, publicado em 1975 na colecção juvenil Galo de Ouro (Portugal Press), a par de conceituados novelistas como Raul Correia, José Padinha e Orlando Marques.

Juntamente com Augusto Trigo (um dos desenhadores com quem mais trabalhou nos anos 80: “Luz do Oriente”, “Kumalo”, “Excalibur”, “Wakantanka”), foi autor do álbum “A Moura Cassima” (Lendas de Portugal em BD, Edições Asa), distinguido em 1992 com o prémio de melhor álbum português, criado nesse mesmo ano pelo Festival Internacional da Amadora. Voltou a colaborar com Augusto Trigo e Catherine Labey no álbum colectivo “Lenda da Moura Salúquia”, publicado no Salão Moura BD em 2009.

Foi galardoado cinco vezes com o Troféu O Mosquito do Clube Português de Banda Desenhada para melhor argumentista, entre 1981 e 1993. Em 1999, recebeu o Troféu de Honra do Festival da  Amadora (que no ano seguinte coube a Augusto Trigo) e em 2002 o Troféu Balanito Especial, atribuído pelo Salão Moura BD. A Câmara Municipal de Moura publicou estudos seus sobre vários temas:

“Carros e Motos na BD” (2001); BD e Ficção Científica – As Madrugadas do Futuro” (2005);O Western na BD portuguesa” (2007); Vítor Péon e o Western” (2010); Franco Caprioli – No Centenário do Desenhador Poeta” (2012)**

** Esta obra teve também edição em formato digital (e-book), pelo GICAV – Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu.

Actualmente, com assistência de Catherine Labey, coordena cinco blogues, que abordam desde a banda desenhada, o “western” e a aventura histórica à literatura popular e ao cinema.  O primeiro, O Gato Alfarrabista, nasceu em 2013.

Nos 120 anos de Enid Blyton

Enid Blyton faria hoje [11-8-2017] 120 anos. Não disse nada aos do meu tempo, que preferimos Jules Verne e Emílio Salgari. Porém, a partir da geração dos nossos filhos, tudo mudou quanto ao universo das leituras in- fanto-juvenis, onde ela dominou. A partir das adaptações para séries de TV das suas obras de refe- rência, sobretudo Os Cinco, Os Sete e Nody, Enid Blyton tornou-se a rainha da literatura para os mais jovens.

Entre tudo o que se escreveu sobre a inspi- rada autora, foi na pági- na Mistério Juvenil que encontrei um trabalho biográfico mais interessante. Com a justa e devida vénia aqui o transcrevo, juntando mais algumas gravuras alusivas às ilustrações originais. Anexo um videograma, dedicado à Herança da escritora.

Enid Blyton, pela sua inspirada dedicação aos mais novos, merece amplamente que a lembremos.

(Nota: este texto e o artigo seguinte foram reproduzidos, com a devida vénia, do blogue “Largo dos Correios”).

Enid Mary Blyton nasceu a 11 de Agosto de 1897, num pequeno andar sobre uma loja em Lordship Lane, zona Este de Dulwich, em Londres. Com alguns meses de idade, a sua família mudou-se para Beckenham, em Kent, local onde Enid e os seus irmãos, Hanly e Carcey, passaram a sua infância. Hoje Beckenham é uma cidade activa, mas no século passado foi uma localidade calma e rural.

Enid foi uma apreciadora da história natural e sempre recordava os passeios que fazia com o seu pai, Thomas Blyton. Ele ensinou-lhe tudo sobre a natureza, animais, insectos, aves e plantas, que viviam nos campos em volta da sua casa. O seu entusiasmo pelo estudo da natureza foi muito importante para o resto da sua vida, aplicando esses conhecimentos em muitos livros, poemas e artigos.

Também gostava muito de ler. Lia tudo o que lhe caía nas mãos, até mesmo enciclopédias, por mais difíceis que fossem. Com o incentivo do pai, começou a inventar as suas próprias histórias e poemas.

Tal como gostava de escrever, também detestava ajudar em casa e cuidar dos seus irmãos mais pequenos. A sua mãe Theresa não compartilhava nenhum interesse de Enid ou do seu pai. Com o tempo, Thomas e Theresa concluíram que já não tinham nada em comum e separaram-se quando Enid tinha 13 ou 14 anos, tendo ela ficado com a mãe. Enid sofreu muito com a partida do pai.

Thomas foi um bom pianista e tinha planeado uma carreira musical para a sua filha, mas em 1916 Enid decidiu  que a única coisa que queria era estudar para professora. Telefonou ao pai e convenceu-o a assinar os papéis necessários e um ano depois começou a estudar para professora primária na Ipswich High Scholl.

Tempos depois, nas suas horas vagas, começou a escrever seriamente.

No início, Enid Blyton teve dificuldade em encontrar um editor para publicar as suas histórias e durante alguns anos o seu trabalho foi recusado constantemente.

Como uma pessoa determinada, Enid não desistiu e continuou a escrever em cada minuto que tinha livre. Finalmente publicou um pequeno poema numa revista editada por Arthur Mee e um outro no “Nash’s Magazine”. Até hoje nenhum deles é conhecido, pois na altura foram publicados sem o nome do autor. O primeiro poema assinado, com o titulo “Have You…!” (”Tu tens…”), apareceu em Março de 1917 no “Nash’s Magazine”. Alguns meses depois, a mesma revista publicou outro, chamado “My Summer Prayer” (“O Meu Desejo de Verão”).

Quando terminou os seus estudos e começou a trabalhar como professora, Enid não parou de escrever. Em Fevereiro de 1922 começou a escrever artigos para a revista “Teacher’s World”. No início os seus trabalhos eram publicados com pouca regularidade, mas a partir de 1929 teve uma página semanal com o título “Enid Blyton’s Children Page”, que normalmente continha uma carta, um poema e uma história. Escreveu regularmente para a “Teacher’s World” até 1945.

No Verão de 1922, Enid publicou o seu primeiro livro, intitulado “Child Whispers”, com uma colectânea dos seus poemas. A capa foi ilustrada com pouca qualidade por um amigo da escola, Phyllis Chase. Mas dado o êxito obtido, o editor publicou outra colectânea no ano seguinte, chamada “Real Fairies”.

E assim Enid Blyton começou a sua carreira como autora.

Em 1924, casou com Hugh Pollock, um editor do departamento de livros da George Newnes. Por esta altura, o seu nome começou a ser conhecido e alguns editores consagrados mostra- vam interesse pelos seus livros.

Em 1926, Enid e Hugh mudaram-se para Elfin Cottage, em Beckenham. Passado algum tempo Blyton com- prou o seu primeiro animal do- méstico, um cão chamado Bobs. “Um fox-terrier de pelo macio”, como descreveu na sua autobiografia. Bobs aprendeu muitos truques: como sentar-se, balancear um biscoito no nariz e deitar-se de costas quando Enid lhe dizia: “Morre pelo Rei”. Estava treinado para fechar portas e esperar pelo “clic” da fechadura para se certificar de que realmente a porta ficara fechada.

Quando Enid começou a escrever a sua página semanal no “Teacher’s World”, incluiu nela uma carta de Bobs, “Letter from Bobs”, onde descrevia, sob o ponto de vista do Bobs, tudo o que se passara na família durante essa semana. Estas cartas eram muito divertidas e Bobs foi quase tão popular entre os leitores como a sua dona! Bobs foi o primeiro animal que Blyton apresentou aos seus milhares de jovens, nas suas histórias e nas cartas da revista.

No mesmo ano, Enid começou a escrever na gazeta “Sunny Stories for Little Folks”, que era publicada quinzenalmente para crianças mais pequenas. Muitos dos seus leitores escreviam-lhe e Blyton começou a ter uma ideia do tipo de histórias que eles mais gostavam de ler.

Pouco depois de ter começado a escrever para a “Sunny Stories”, Enid editou um livro intitulado “The Wonderful Adventure”, que relatava a busca de um tesouro perdido por um grupo de jovens. Este livro foi a primeira novela de aventuras que Enid publicou, mas como a editora era muito pequena foram feitas poucas cópias. Tristemente esta história foi esquecida em pouco tempo, mas Blyton continuou a escrever contos que foram muito populares entre os leitores da “Sunny Stories”. Alguns deles foram compilados e editados em livro.

Em 1929, Enid e Hugh voltaram a mudar-se para uma moradia típica do século XVI, em Burn End, Buckingshire, chamada Old Tatch. Esta tinha um jardim maior que Elfin Cottage e dava mais espaço para Enid ter as suas flores e os seus animais. Foi nesta moradia que nasceram as suas duas filhas, Gillian, em 1931, e Imogen, em 1935.

Durante muitos anos, Enid continuou a escrever pequenas histórias para a revista “Sunny Stories”, mas quando o seu titulo mudou para “Enid Blyton’s Sunny Stories”, em 1937, resolveu escrever uma história em série. Chamava-se “Adventurer of the Wishing Chair” e foi tão popular que continuaram a publicar-se outras histórias. Enid decidiu, então, escrever uma novela de aventuras para a edição 37 com o episódio inicial de “The Secret Island” (“A Ilha Secreta”). Esta teve tal sucesso, que foi a primeira a ser editada integralmente em livro.

Logo os leitores reclamaram mais aventuras com o João, o Miguel, a Margarida e a Nora. “A Ilha Secreta” foi publicada em 1938 e em Portugal teve a primeira edição em finais dos anos 1960 pela Livraria Clássica Editora. Em 1939, Enid Blyton escreveu na “Sunny Stories” outra história desta série, “The Secret of Spiggy Holes” (“O Segredo das Grutas de Spiggy”).

Enid sabia que as crianças gostavam de ler as suas histórias curtas, mas constatou que escrever livros de grande enredo também teria bastante aceitação e assim continuou. Em 1938, mudou de casa com toda a família. As suas filhas tinham crescido. Enid e Hugh decidiram que precisavam de mais espaço e escolheram uma casa grande, em Beaconsfield.

Nas suas cartas em “Teacher’s World”, Enid descreveu a vivenda e os seus jardins, perguntando aos seus leitores qual o nome mais apropriado para a nova casa. Anos depois, contou na sua autobiografia como centenas de crianças lhe enviaram sugestões e muitas delas escolheram o mesmo nome: “Green Hedges”. Enid viveu em Green Hedges o resto da sua vida, e durante esses anos a sua direcção foi tão popular como o palácio de Buckingham ou o número 10 de Downing Street. Ao mudar-se para Green Hedges, viu o início da sua época mais positiva.

Além das suas histórias semanais no “Sunny Stories” e na página do “Teacher’s World”, Enid concentrou-se nos seus romances. Escreveu histórias sobre a escola e o circo. Mas o seu êxito mais popular foram as suas séries de aventura e mistério. Paralelamente a este sucesso, Enid separou-se de Hugh Pollock em 1942, meses depois do seu primeiro livro da série “Os Cinco”, intitulado “Os Cinco na Ilha do Tesouro”.

Em 1943, desposou em segundas núpcias Kenneth Waters, e continuou a escrever, produzindo ainda mais. Os livros “Segredo” e “Os Cinco” tornaram-se tão populares que Enid criou outras séries. Uma delas intitulava-se “Aventura” e o seu primeiro episódio, “Uma Aventura na Ilha”, foi publicado em 1944. Outros sete livros completaram esta série. Também obteve grande sucesso a colecção “Mistério”, que contava com a interpretação dos “Cinco Descobridores e o seu Cão”, aparecendo na sua primeira aventura em “O Mistério da Casa Queimada”, em 1943. Os “Cinco Descobridores” resolviam mistérios na sua vila de “Peterswood”, um lugar parecido com Bourne End, uma localidade perto de Old Tatch.

Em 1949, Enid escreveu o seu primeiro livro para jovens mais crescidos, intitulado “The Rockingdown Mystery” (“O Mistério de Rockingdown”). Um ano depois, escreveu o primeiro livro do “Clube dos Sete”. Os Sete apareceram inicialmente no livro “The Secret of the Old Mill”, em 1948, mas “O Clube dos Sete” foi a primeira aventura oficial. Em pouco tempo, grupos de crianças, em toda a Inglaterra, imitavam Os Sete, organizando reuniões, criando símbolos dos seus grupos e utilizando linguagens secretas.

Mas o momento mais decisivo foi em 1949, quando Blyton publicou “Noddy Goes to Toyland” (”Nodi no País dos Brinquedos”). Nodi foi a personagem de maior êxito para crianças mais pequenas e ainda hoje é tão popular como no início. As suas aventuras apareceram em livros, álbuns de banda desenhada, televisão e num filme de longa metragem. Muitos jogos foram editados também com Nodi, muito mais do que com qualquer outra personagem inglesa.

Enid Blyton nunca foi tão feliz como quando escrevia as suas histórias. Era uma autora inata e daí lhe ter sido fácil a criação de novas personagens e aventuras. Na sua autobiografia confi- denciou como criava uma história. Nunca a planeava antes de a escrever à máquina. Apenas se limitava a fechar os olhos e a imaginar o enredo: “É como espreitar por uma janela ou como um filme na minha cabeça, ver os meus personagens e escrever tudo no papel”.

Foi uma graça divina que lhe deu forças para escrever muitos livros e histórias. Entre Janeiro de 1940 e Dezembro de 1949, Enid Blyton tinha publicado mais de 200 livros, e nos anos 50 foram mais de 300! E não foi tudo, pois também respondia a centenas de cartas dos seus pequenos leitores, autografava livros, lia em público e sobretudo ajudava a angariar fundos para fins de caridade. Também tinha alguns passatempos, como jogar golfe e bridge.

No início de 1950, Blyton deixou de escrever no “Sunny Stories”, para poder empenhar-se na sua nova revista “Enid Blyton’s Magazine”. Esta revista – como os livros e histórias que criou com Mr. Pink-Whistle e Nodi – deu origem à criação de vários clubes que ajudavam a recolher fundos para organizações sem fins lucrativos.

Por exemplo, o “Busy Bee Club” angariou dinheiro para a “People’s Dispensary for Sick Animals” (P.D.S.A.), uma organização para animais doentes. O “Sunbeam’s Club” ajudou uma fundação para bebés cegos. Também o “Magazine Club” apoiou uma instituição de beneficência, antes de acabar nos finais de 1959. Este clube chegou a ter mais de 129 mil associados.

No último período da sua vida, Enid Blyton ficou gravemente doente. A morte de Kenneth, o seu segundo marido, em 1967, foi um rude golpe e um ano depois faleceu, em 28 de Novembro de 1968, vitima da que é hoje conhecida por doença de Alzheimer, deixando mais de 700 livros escritos e perto de 5000 contos.

Durante toda a sua existência, Blyton foi uma pessoa muito reservada. A sua autobiografia “The Story of My Life”, escrita em 1952, tem muitas fotografias suas, da casa e da família, mas é escassa sobre pormenores da sua vida, excepto os que se referem à sua carreira literária. Em 1974, Barbara Stoney escreveu “Enid Blyton the Biography”, que revela a verdadeira história da sua vida.

Passados quase 49 anos desde a sua morte, os livros de Enid Blyton continuam tão populares e a serem tão vendidos como as edições anteriores, quer em Inglaterra como em todo o Mundo, incluindo Portugal. Quantos de vocês não conhecem ou não têm em casa um livro dela? Como “Os Cinco”, “Aventura”, “Clube dos Sete”, “Colecção Mistério”, “As Gémeas”, “4 Torres”, etc.

As suas histórias e personagens foram reproduzidas em jogos, séries de televisão, revistas, banda desenhada, filmes e teatro. Mas onde está o segredo de todo este êxito? Qual a razão das suas histórias serem tão famosas? Antes de mais, foi uma escritora inata, que sabia exactamente o que as crianças e jovens gostariam de ler. Nas suas histórias o mundo é novo e verde, os dias são grandes e ensolarados, os adultos não aborrecem muito e as crianças podem fazer tudo o que desejam: explorar túneis secretos, acampar em ilhas com árvores, rodeadas pela natureza, descobrir mistérios, procurar tesouros e até “vagabundear” no meio ambiente, com carroças puxadas a cavalos. É um mundo mágico onde triunfam os bons, as iguarias abundam e há sempre um final feliz. Pode desejar-se algo melhor?

Todos os anos é prestado um tributo a esta autora, o chamado “Enid Blyton Day”, organizado pela Enid Blyton Society. As últimas edições tiveram lugar em Twyford, a 30 km de Londres. Neste dia, reúnem-se entusiastas que compram, trocam e vendem livros e outros artigos. Realizam-se palestras e convidados falam de variados assuntos.


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