Em 25 de Julho de 1415, teve início a epopeia das conquistas e dos descobrimentos portu- gueses, com uma grande expe- dição militar chefiada por el-rei D. João I e pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, cujo objectivo era desferir um rude golpe nas possessões islâ- micas do Norte de África, arrebatando aos Mouros a rica e estratégica cidade de Ceuta.
Nessa heróica empresa, que culminou com a conquista da praça-forte um mês depois, em 22 de Agosto desse ano da graça de 1415, distinguiram-se, pela sua energia, capacidade de comando e bravura em com- bate, os jovens infantes D. Henrique e D. Duarte, o primeiro dos quais estava fadado para reger os destinos da escola de Sagres, a melhor escola de marinharia do mundo, e o segundo para suceder no trono ao Rei de Boa Memória. Tanto eles como seu irmão D. Pedro foram armados cavaleiros pelo próprio pai, na mesquita de Ceuta consagrada, desde esse dia, à fé cristã.
Recordando esta efeméride, tão im- portante na história da expansão marí- tima e colonial portuguesa dos séculos XV e XVI, retirámos dos arquivos do passado uma página magnificamente ilustrada por mestre José Garcês, que o Cavaleiro Andante — muito receptivo, nessa época, aos trabalhos de inspiração (e exaltação) patriótica, em que Garcês, por mérito e experiência, já era um autor consagrado —, deu à estampa no nº 104, de 26 de Dezembro de 1953.
Um dos episódios mais marcantes, mas talvez menos recordados, hoje em dia, dessa histórica epopeia, é o que revela a profunda afeição que D. Filipa de Lencastre — a rainha e mãe de virtuosos dotes, que muito contribuiu para o bom nome e o exemplar reinado de D. João I — sentia pelos seus filhos, a quem quis entregar as espadas de cavaleiros antes da partida para Ceuta, apesar de ter caído ao leito, gravemente enferma.
Mário Domingues, um popular escritor do século XX, que produziu vários romances históricos com biografias de reis, príncipes, cavaleiros, navegadores, poetas, sacerdotes, estadistas, passando em revista os períodos mais gloriosos, mas também os mais obscuros da nossa monarquia, evocou este lendário episódio num capítulo do livro “Grandes Momentos da História de Portugal”, editado em 1962 pela F.N.A.T. (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho).
Vítima da peste que grassava em Lisboa e adivinhando que o seu fim estava próximo, D. Filipa quis dar o primeiro sinal aos seus filhos do glorioso futuro que os esperava, para bem do reino de Portugal, recomen- dando a Duarte, o primogénito e herdeiro do trono, que defendesse com toda a energia os seus súbditos, zelando pelo cumprimento do direito e da justiça, a Pedro que estivesse sempre ao serviço das donas e das donzelas, e a Henrique, o mais novo dos três mancebos, mas também o mais audaz e sonhador, que protegesse “os cavaleiros fidalgos e escudeiros do reino, fazendo-lhes todas as mercês a que, por razão, tivessem direito”.
Depois, entregou aos filhos as três espadas que mandara forjar para aquele momento solene e com as quais seriam armados cavaleiros pelo rei, seu pai, na mesquita de Ceuta, após a conquista que transformou esta cidade no primeiro baluarte cristão do norte de África.
José Garcês retratou a mesma cena num livro dedicado a D. Filipa de Lencastre (Edições Asa, 1987) e numa magnífica biografia aos quadradinhos do Infante D. Henrique, publicada no Camarada (2ª série), entre os nºs 8 e 25 do 3º ano (1960), com texto de António Manuel Couto Viana.
Mais sucintamente, representou-a também no 2º volume da sua História de Portugal em BD, relevante projecto nascido de uma parceria com o historiador António do Carmo Reis e patrocinado pela Asa, que lhe consagrou sucessivas edições, com retumbante êxito, a partir de 1985.
Aproveitamos esta ocasião para desejar a mestre José Garcês, que celebrou em 23 de Julho o seu 87º aniversário, as maiores felicidades, associando-nos a todos os seus admiradores e amigos que ainda recordam os belos momentos que passaram a ler as suas histórias.
Sobre esta época da nossa História, primeira etapa da expansão ultramarina e das conquistas de praças-fortes aos Mouros, que era mister combater por causa da sua religião e do comércio de especiarias com o Levante, há três livros que registei também na memória e que se lêem como autênticos romances de aventuras:
Lanças n’África e Sangue Português, antologias de contos de Henrique Lopes de Mendonça — um dos mais destacados romancistas históricos do século passado e autor da letra do Hino Nacional —, e Os Portugueses em Marrocos, da escritora inglesa Elaine Sanceau, que viveu muito tempo no nosso país e dedicou várias obras aos descobrimentos e ao império colonial português, sendo, por isso, muito elogiada (e condecorada) por Salazar.
Mário Domingues (1899-1977), Elaine Sanceau (1896-1978) e Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931) são três prolíficos e notáveis autores que merecem ocupar um lugar de honra no galarim dos melhores romancistas históricos portugueses e cujas obras, guardadas religiosamente na nossa biblioteca, figuram hoje nesta Montra dos Livros.