Uma história verdadeira de Natal
“Napoleão foi grande”, escreveu Tolstoi em Guerra e Paz, “porque se colocou acima da revolução, esmagou os abusos e conservou tudo o que ela tinha de bom, a emancipação dos preconceitos, a igualdade dos cidadãos, a liberdade da imprensa e da palavra”.
Mas Napoleão foi grande, também, porque os seus amigos nunca o abandonaram. Homens como o conde Antoine-Marie Chamans de Lavalette (1769-1830), seu conselheiro e ajudante de campo, de quem ele diria mais tarde: “é a honra, a probidade e a rectidão em pessoa”, foram-lhe sempre dedicados, do princípio ao fim da grande epopeia napoleónica.
Depois da derrota, na batalha de Waterloo, esses fiéis amigos do imperador pagaram com a vida o seu juramento de lealdade. Lavalette, condenado à guilhotina, conseguiu evadir-se, nas vésperas do Natal de 1815. Essa rocambolesca evasão já a contámos aos leitores do Mundo de Aventuras, no número especial de Natal (1975) desta revista, de onde o artigo seguinte, com ilustrações de Baptista Mendes, foi reproduzido.
Lavalette era de origem humilde. Mas, na época do Império, qualquer pessoa podia ascender às posições mais honrosas, mesmo alguém que fora um simples soldado da Guarda Nacional, quando a revolução contra a monarquia mergulhou a França num mar de sangue. Vinte anos depois, em recompensa dos valiosos serviços prestados à pátria (e a Napoleão), já era par de França. O obscuro guarda-nacional, nascido numa humilde família de operários, galgou em tão pouco tempo os mais altos degraus da hierarquia social.
Mas a “águia” napoleónica estava prestes a ensaiar o seu último voo… Waterloo, o fim de todos os sonhos de grandeza. Napoleão tinha um encontro marcado com a fatalidade numa pequena ilha do Atlântico: Santa Helena. Nenhum dos seus partidários, porém, traiu a palavra dada. Labédoyère e Ney, que se lhe juntaram durante a marcha triunfal para Paris, foram fuzilados, e Lavalette, que fora o principal artífice da sua evasão do primeiro exílio, na ilha de Elba, viu suspender-se sobre ele o sangrento cutelo da guilhotina.
Preso numa cela da Conciergerie, sabia que também tinha os dias contados. Debalde sua mulher implorou o perdão do rei. Todos os ouvidos se fecharam às súplicas da nobre dama. Depois, foi a fuga de Lavalette, em circunstâncias extraordinárias, ajudado por alguns homens de origens e crenças políticas diferentes, que o milagre da fraternidade (ou seria de Natal?) uniu no esquecimento dos seus ódios e rivalidades.
Texto de Jorge Magalhães ◊ Ilustrações de Baptista Mendes